A estratégia dos grandes grupos económicos: não pagamos!
Por incrível que pareça ao leitor desprevenido, a palavra de ordem dos grandes grupos económicos, em especial os que estão ligados à distribuição e às grandes superfícies comerciais, é exactamente a mesma dos grupos de activistas ditos extremistas: «Não pagamos esta dívida!»
Esta estratégia vem pelo menos desde o início da crise financeira mundial (2007-2008) e baseia-se num princípio muito simples: sai mais barato aos grandes grupos económicos manterem gabinetes de advogados que passam o tempo a vasculhar os contratos em busca de «furos» legais nos contratos de fornecimento, do que pagar as suas dívidas aos pequenos e médios fornecedores. Estes, por sua vez, não dispõem de meios suficientes para alimentar gabinetes de advogados capazes de dar luta no mesmo terreno, nem de meios financeiros para suportar o assédio de longos processos em tribunal – sobretudo porque os tribunais portugueses têm mais amor à letra da lei e dos contratos do que ao espírito da lei, e portanto tendem a favorecer os advogados «habilidosos».
Os dirigentes e administradores desses grandes grupos empresariais são os mesmos que recentemente adquiriram cartão de residente nos programas de comentário político transmitidos pelas (suas) cadeias de televisão, onde afirmam com grande ênfase que não pagar uma dívida pública à finança internacional constitui desonra...
O dominó da exterminação dos pequenos e médios produtores
Ao longo dos últimos anos muitos produtores tiveram de fechar portas. A situação em que se vêem inesperadamente metidos pode ser bastante mais grave do que o simples não pagamento dos produtos fornecidos: por vezes, em vez de receberem o devido, ainda têm de pagar indemnizações.
Sendo certo que esta situação será dificilmente credível para o leitor comum, passemos aos exemplos concretos:
Imaginemos que o leitor é um fornecedor de produtos culturais (livros, discos, etc.) para uma grande superfície comercial, tipo FNAC ou Continente, e que, ao fim de 8 meses de espera ainda não recebeu um tostão (e, evidentemente, tem os seus próprios fornecedores de matéria-prima e serviços a baterem-lhe à porta, por falta de liquidez para lhes pagar). Desesperado, envia cartas sucessivas – em vão. Por fim dirige-se em pessoa à administração do seu cliente, onde é informado do seguinte por um gabinete de advogados: a empresa não só não tenciona pagar-lhe, como exige uma indemnização, sob pena de processo em tribunal e penhora de bens da sua empresa. Porquê?! Porque havia uma alínea no contrato que o obrigava a colocar os seus produtos em todas as lojas da cadeia comercial, e entretanto tinham aberto mais 3 lojas onde não se encontravam esses produtos. «Mas eu não sabia, não fui avisado pelos vossos serviços!», responderá você. «Pois, mas no contrato não consta a necessidade de aviso de abertura de novas lojas...», responde-lhe o sábio advogado.
Começa assim um dominó infindável de falências. A grande empresa comercial diz ao pequeno fornecedor: NÃO PAGAMOS! O pequeno fornecedor, sem liquidez e incapaz de obter crédito na banca, vê-se obrigado a dizer aos seus próprios fornecedores: NÃO PAGAMOS! E assim por diante.
O dominó da cobardia
Este artigo padece de um problema inultrapassável: os empresários que estão a ser triturados pelas grandes cadeias comerciais recusam-se a actuar publicamente, sozinhos ou em coordenação com outros produtores. Temem as represálias (mais, aparentemente, do que a perspectiva de falir e perder tudo), temem as ameaças físicas, temem parecer «contestatários», temem a própria sombra.
Após uma lauta refeição bem regada, talvez choraminguem a história do seu calvário em privado. Mas combatê-lo na praça pública, nem pensar!
Para travarem combate aos grandes grupos económicos teriam talvez de se associar, de criar cooperativas ou grémios ou qualquer outra coisa que, no triste imaginário português, em especial o nortenho, soa a «comunismo». Teriam de fazer lobby nos corredores do poder e dos partidos, teriam de contratar guarda-costas, teriam de se quotizar para pagarem aos melhores advogados... enfim, uma trabalheira...
Bancos e intermediários – os mesmos grupos, a mesma canalha
Juntamente com os bancos, a indústria química e farmacêutica, as armas e a saúde, as empresas de intermediários e distribuição constituem a pior canalha do tecido económico. Não hesitam em açambarcar um determinado tipo de produtos, provocar épocas de carestia, a seguir inundar o mercado com o produto quando os produtores estão à rasca para vender, forçando-os a aceitar preços abaixo dos custos de produção, e assim por diante.
A FNAC, por exemplo, depois de uma campanha inicial de lançamento com preços «imbatíveis», assim que viu fidelizada a sua clientela passou a apresentar os preços mais altos do mercado. Os clientes, que têm mais que fazer na vida do que andar a prospectar o mercado, são levados pela ideia enganosa de que ali os produtos continuam a ser mais baratos – aliás passa-se exactamente o mesmo com os supermercados. Fã, como os demais, do NÃO PAGAMOS!, a FNAC inventou ainda outro truque, depois de ter começado a praticar preços mais altos: vende às prestações, mas para ceder essa «gentileza» sobe ainda mais o preço do produto em questão – ou seja, mete à cabeça do contrato uma extrataxa, a somar aos juros.
Algumas das maiores fortunas começaram a ser feitas nos anos 1960, à custa da conjugação do internediarismo com o monopólio. Foi o caso dos importadores de papel, que aliás não possuíam um único rolo de papel em armazém – limitavam-se a ter um escritório, um telefone (hoje em dia já não é preciso, basta um computador em casa) e um monopólio de representação dos produtores de papel no estrangeiro. O cliente telefonava para esta empresa, que por sua vez telefonava ao produtor de papel na Suécia, por exemplo. Meses mais tarde lá vinha o papel; o cliente só tinha de... ir buscar o produto à alfândega pelos seus próprios meios e pagar ao intermediário.
Esta mentalidade escroque manteve-se até aos nossos dias, só que hoje se encontra muito mais sofisticada e alargada a todos os sectores económicos da sociedade.
Os mesmos grupos, a mesma solução: socialização!
Temos vindo a dizer que, para além da panaceia que seria a tributação dos bancos e das actividades financeiras com taxas decentes, só existe uma solução definitiva: a socialização da banca, sob controle dos trabalhadores.
Os grandes intermediários, todos eles, têm de sofrer a mesma receita, porque em muitos aspectos a destruição económica e social que provocam é ainda pior. Em muitos casos nem sequer fazem falta nenhuma ao funcionamento do mercado, por isso não carecem de nacionalização – podem simplesmente ser extintos e proibidos de actuar.
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